Entrevista com Sylvio Gonçalves
Sylvio Gonçalves é roteirista de filmes como S.O.S. Mulheres ao Mar (2014), S.O.S. Mulheres ao Mar 2 (2015), e Eu Fico Loko (2017). Ele dirigiu os curtas Play-Rec (1994) e Roleta (2002). É formado em jornalismo pela Faculdade da Cidade e em cinema pela UNESA. Depois de sua primeira graduação, trabalhou como crítico de cinema, escrevendo de 1990 a 1995 para a revista Cinemin e de 1995 a 1998 para Rádio MEC. É autor de livros infantojuvenis como “Liberdade Virtual”, “Saci à Solta” e “Três Vinganças”. Como tradutor literário, verteu para o português romances de autores como Ian Fleming, Mario Puzo e Ira Levin.
E hoje é nossa vítima das sete perguntas capitais.
Boa sessão:
1) Quando nasceu sua paixão pelo cinema? Existiu um momento que olhou para trás e pensou: "- Puxa, sou um cinéfilo !!"?
S.G.: Acho que todo cinéfilo tem esse momento em que descobre que ele não assiste a filmes apenas por prazer, mas por que eles o fazem pensar, não apenas sobre cinema em si, mas sobre a vida em geral. Creio que esse momento para mim foi quando estava no extinto cinema Paratodos do Meier, assistindo a um relançamento de “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, e pela primeira vez me flagrei dissecando os mecanismos da realização fílmica, mesmo sem ainda ser capaz de nomeá-los: a estrutura do roteiro, a complexidade dos personagens, a mise em scène, etc.
2) Coleciona filmes, CDs ou algo relacionado à 7ª arte ? Quem curte cinema, costuma ter suas relíquias em casa...
S.G.: Durante muitos anos colecionei trilhas sonoras de filmes, mas já há algum tempo compro CDs bem raramente. Devo possuir cerca de 500 trilhas sonoras de filmes em CD. Também coleciono DVDs e Blu-Rays, com foco em filmes clássicos. Nunca tive paciência de contar quantos DVDs eu tenho, mas os BDs não devem passar de 300 títulos. Conheço pessoas com coleções bem mais expressivas.
3) Além de cinéfilo, é roteirista de cinema basicamente em filmes de comédia (Eu Fico Loko - 2017, É Fada! - 2016, S.O.S.: Mulheres ao Mar 2 - 2015, para citar alguns). O que te motivou a se tornar roteirista e porque continuamente neste gênero (se não me engano, somente "Sem Controle" - 2007 foi de um gênero diferente)?
S.G.: Eu me interessei em trabalhar profissionalmente com cinema numa época em que não havia um mercado para roteiro de cinema no Brasil – na verdade, quase não havia filmes, era o vácuo entre a Embrafilme e Retomada do nosso cinema. Escrevia roteiros de curtas que planejava dirigir, e me exercitei muito fazendo isso. Durante algum tempo cheguei a trabalhar como roteirista numa produtora que fazia vídeos institucionais. Sou formado em jornalismo, e em 1999 me matriculei na faculdade de cinema da UNESA. Nessa época eu já havia publicado alguns livros e contos como ficcionista, e sabia que queria trabalhar especificamente com texto para audiovisuais. Durante a faculdade escrevi meu primeiro roteiro de longa, que atualmente está na “gaveta”, e ficará pra sempre, pois o considero um exercício. Em 2002 fui selecionado para o Laboratório de Roteiro do Sundance Institute com um roteiro infantojuvenil , o único nesse gênero na seleção.
O roteiro, “Saci à Solta” não foi produzido ainda, mas eu o adaptei como livro infantojuvenil. Em 2007 tive a minha primeira atuação como roteirista profissional, ao escrever o suspense “Sem Controle” para a diretora Cris D’Amato e o produtor Julio Uchoa. O meu trabalho na série “As Brasileiras”, produzida para a Globo por Daniel Filho, me abriu as portas para o humor. O primeiro longa que escrevi nesse gênero foi “S.O.S. Mulheres ao Mar”, em colaboração com os colegas Rodrigo Nogueira e Marcello Saback.
Creio que o sucesso comercial do filme chamou a atenção do mercado para minha capacidade em trabalhar nesse gênero, que é muito mais difícil e especializado do que o público costuma imaginar. “S.O.S. Mulheres ao Mar 2” é inegavelmente uma comédia, mas não considero todos os filmes nos quais trabalhei como pertencentes puramente a esse gênero. “Confissões de Adolescente”, no qual fui corroteirista de Matheus Souza, é basicamente um melodrama juvenil com momentos de humor. “É Fada!”, que assinei junto com Fernando Ceylão, é uma fantasia infantojuvenil, e “Eu Fico Loko”, que coescrevi com o diretor Bruno Garotti é uma cinebiografia do influenciador digital Christian Figueiredo. Gosto de todos os gêneros cinematográficos, e estou ansioso pela oportunidade de escrever outro longa de suspense.
4) Qual experiência, relacionada ao mundo do cinema, que mais te marcou?
S.G.: Foram muitas. Mas acho que o momento que me “caiu a ficha” de que estava começando a realizar o meu sonho foi quando visitei o set de “Sem Controle” e vi Eduardo Moscovis completamente dentro do personagem que eu passara quase um ano escrevendo. Foi naquele momento que compreendi o papel da direção e da atuação na composição do personagem. No set do “Sem Controle”, eu conheci o Danilo Porto que eu havia escrito, mas com camadas adicionadas pela diretora Cris D’Amato e pelo ator Eduardo Moscovis. Até hoje esse primeiro contato com o personagem enfim “pronto” é um momento que me emociona muito.
5) Cinéfilos tem suas preferências. Existe uma lista dos "filmes da sua vida"?
S.G.: Difícil fazer uma lista dessas... Mas vou citar aqueles que fundamentaram a minha sensibilidade cinematográfica, por tê-los assistido antes dos meus 13 ou 14 anos, quase todos pela primeira vez na TV: “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin; “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte; “Horizonte Perdido”, de Frank Capra; “Psicose”, de Alfred Hitchcock; “007 Contra Goldfinger”, de Guy Hamilton; a produção de Walt Disney “Fantasia”; “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, de Steven Spielberg; “Guerra Nas Estrelas”, de George Lucas; “Superman, o Filme”, de Richard Donner; “8 ½” de Fellini; “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos; “Um Só Pecado”, de François Truffaut, “Orfeu”, de Jean Cocteau; “Orfeu do Carnaval”, de Marcel Camus, “Duas Garotas Românticas, de Jacques Demy; “Quanto Mais Quente Melhor”, de Billy Wilder; “O Anjo Exterminador”, de Luis Buñuel; “Os Sete Samurais”, de Akira Kurosawa; “O Sentido da Vida, do grupo Monty Python, e, claro, meu filme favorito, “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick.
6) Fale um pouco sobre seus próximos projetos. Há algum outro em vista relacionado ao cinema?
S.G.: Tenho vários projetos, todos simultâneos em graus de realização que variam da fase de sinopse à finalização da produção. Participei da equipe de roteiristas de uma comédia que está em finalização e será lançada no final de 2017, “Festa da Firma”, de André Pellenz. Acabo de terminar com Bruno Garotti o primeiro tratamento do próximo filme dele, e escrevemos o argumento para o que talvez venha a ser o seu terceiro longa. Trabalho no momento no roteiro de uma comédia que será dirigida por Cris D’Amato. Também estou na equipe de roteiro de uma série dramática, “Pequeno Gigante”, que será realizada por uma produtora de Salvador.
Estou iniciando o primeiro tratamento de um roteiro de comédia que acaba de me ser encomendado. E pela primeira vez vendi um roteiro que não foi realizado sob encomenda, uma comédia de humor negro que deve ser filmada ainda este ano, mas sobre a qual ainda não posso dar mais detalhes. Este ano, além dos roteiros estou trabalhando na curadoria de uma mostra do diretor Jacques Demy, que será realizada na Caixa Cultural RJ. Ou seja, estou trabalhando, o que é o maior desejo de todo profissional autônomo.
7) Para finalizar, deixe uma lição do que aprendeu com o tempo que se dedicou (e dedica) à arte.
S.G.: No caso da realização de roteiros em especial, sempre digo que todo mundo que tiver interesse em se dedicar a essa área precisa desenvolver duas características: persistência e capacidade de ouvir sugestões e críticas. Porque você continuamente estará envolvido em projetos árduos, e sempre estará buscando o aperfeiçoamento a partir de comentários sobre o seu trabalho. Afinal, a realização cinematográfica é uma arte coletiva, e o roteiro é apenas uma parte de um processo bem mais amplo.
M.V.: Grande abraço. Foi um enorme prazer.
S.G.: Eu que agradeço pela honra do seu convite.