Entrevista com Rafaella Nunes

A paixão pelo cinema une mundos. Pessoas que amam cinema acabam se buscando, se encontrando e interagindo. Isto talvez seja um dos grandes achados das minhas entrevistas. Unir mundos semelhantes, mas que eram separados pela distância física ou desconhecimento.  E nas entrevistas procurei diversificar as preferências e profissões: foram roteiristas, atores, atrizes, diretores, entrevistadores, técnicos de efeitos especiais, escritores, cinéfilos, colecionadores, críticos...

Hoje vamos escrever mais um capítulo. Conheça Rafaella Nunes, que faz o belíssimo trabalho de designer das capinhas dos DVDs lançados pela Classicline.

Boa sessão:


1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Quando nasceu sua paixão pelo cinema? Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte.

R.N.: Honestamente, eu não saberia dizer com precisão. Desde antes de eu nascer, minha família já trabalhava com cinema. Vovô foi um dos pioneiros lá no Ceará, tanto de exibição em salas como na abertura das primeiras locadoras, então eu posso dizer que já vim para o mundo dentro do cinema. Nunca aconteceu um momento epifânico, como nos contos da Lispector. O cinema simplesmente faz parte da minha vida (e é uma das partes que eu mais amo na minha rotina).

2) Quem ama cinema costuma ter suas relíquias em casa. Coleciona filmes, CDs ou algo relacionado à 7ª arte? 

R.N.: Sim, posso dizer que coleciono. Tenho pouco mais de uma centena de filmes em casa, e mais ou menos a mesma quantidade de livros - mas a grande maioria deles não é sobre cinema. Não me considero uma colecionadora como a maioria dos que eu observo, principalmente dentro dos grupos que faço parte no facebook. Eu nunca me preocupei com números, nunca quis uma casa lotada de prateleiras para minhas coleções. Recentemente, quando me mudei pra São Paulo, vendi vários dos DVDs que eu tinha e doei quase dois terços dos livros que eu tinha em casa.

Só faço questão de ter comigo filmes e livros que eu amo muito, que vejo e revejo as histórias sempre. Não faço questão nem de comprar edições especiais gigantes, steelbooks, nada disso, pois a sensação de acúmulo me incomoda, o que é engraçado, pois o objetivo do meu trabalho é exatamente criar visuais bonitos para o material gráfico do filme. Na verdade, o que me interessa mesmo, é o que está gravado no disco (incluindo os extras). Mas se tudo vier acompanhando de uma embalagem linda, é ainda melhor.

3) Seu trabalho visual com os filmes da Classicline é incrível. Diria que é o melhor do País. Como é feito este processo? Como chega naquele incrível resultado final?

R.N.: Olha, eu não saberia te dizer se é o melhor do país, pois tem muito profissional bom e dedicado no mercado. Mas eu fico muito feliz quando recebo elogios pelo meu trabalho. Muito. São umas boas horas diárias de pesquisa e trabalho dedicados à cada capa, cada box ou dpac. Faço sempre questão de dar o meu melhor quando estou trabalhando, acho que é uma questão de carinho mesmo com a obra (filme) e com o consumidor. Quando trabalhamos dentro de empresas de nicho de mercado cuja produção é totalmente feita no Brasil, percebemos a grande diferença que existe, em termos de valores de consumo, entre produzir aqui (em uma escala menor) e fazer centenas de milhares fora do Brasil.

Para o pequeno produtor, como é o caso da Classicline, fazer edições especiais cheias de efeitos, relevos, papéis especiais ou mesmo o steelbook é um custo de produção que se torna completamente inviável, principalmente porque dificilmente o consumidor quer pagar o preço final, ainda mais no nosso mercado. Houve um tempo em que eu me frustrava de não produzir materiais cheios de "efeitos especiais", mas com o tempo eu percebi que as coisas não são bem assim e que eu estava enxergando a vida com um cabresto. Não é uma questão simples de "a empresa sempre busca o lucro acima de tudo", como muitos "entendidos" gostam de ficar repetindo por aí. Isso é uma visão completamente simplista, leiga e cretina da realidade.

Uma empresa que não lucra não tem capital de giro para continuar produzindo, para se manter viva, pagar impostos ou mesmo para pagar salários dignos para seus funcionários , as pessoas que estão todo dia ali suando pra trazer algo realmente legal pra sua coleção. Tudo isso tem que sempre pensado e repensado quando resolvemos lançar um filme, e tudo isso passa pela minha cabeça quando eu vou produzir uma capa. Resumindo: minhas motivações são os colecionadores e a Classicline. Eu quero que as capas fiquem lindas porque quero que os colecionadores fiquem felizes, façam questão de comprar aquele filme e tenham algo realmente bonito para colocar na prateleira - além de um ótimo filme para assistir. Faço questão que elas fiquem lindas porque, acima de tudo, eu quero que a Classicline continue viva.

4) Qual sua experiência dentro do universo cinematográfico que mais te marcou? 

R.N.: Olha, acho que uma das melhores coisas do cinema é que ele sempre pode te surpreender. Cada ida às telonas ou mesmo um filminho assistido no final de semana em casa, pode te trazer uma experiência inesquecível. Pode ser aquele filme épico que você assiste e encontra no protagonista a força e o exemplo que você estava precisando para mudar sua vida, ou uma comédia boba que vai te fazer sorrir num dia péssimo. Eu ainda lembro que o primeiro filme que eu assisti sozinha, sem nenhum adulto me acompanhando, no cinema foi "O Rei Leão", aos 10 anos de idade. Nesse dia, eu me senti forte e independente. 

Lembro que no dia do meu casamento eu deixei "Questão de Tempo" e "Meu Casamento Grego" passando na TV enquanto eu me arrumava com a minha mãe, e isso levou embora qualquer tensão que pudesse existir naquele momento. Eu me senti feliz e leve. Também lembro que um dos primeiros filmes que assisti com meu atual marido, enquanto ainda namorávamos, foi "Antes do Amanhecer", e eu me senti muito feliz por ter do lado uma pessoa com a qual eu me sentia completamente à vontade e extremamente conectada - assim como os personagens Jesse e Céline. Curiosamente, assim como eles, nós passamos depois por um término por conta da distância e um reencontro muitos anos depois, e acabamos nos casando. A vida teria menos graça sem a arte, mas o que seria da arte, se não fosse a própria vida para nos inspirar?

5) Existe uma lista dos "filmes da sua vida"?

R.N.: Eu já citei alguns na pergunta anterior, né? Mas eu incluo nessa a Trilogia do Senhor dos Anéis, do Poderoso Chefão, a Saga Star Wars, os musicais do Fred Astaire que eu assistia com o meu avô quando era pequena... Sério, é uma lista sem fim. Só pra citar alguns: Dirty Dancing - Ritmo Quente, porque nele eu aprendi que ninguém pode deixar a baby em um canto. Os Goonies, onde eu aprendi o valor das verdadeiras amizades. Moulin Rouge, que reascendeu o amor que eu tinha por musicais que estava adormecido.

"Primavera, Verão, Outono, Inverno… Primavera", que me fez querer buscar mais sobre o cinema oriental e finalmente conhecer a obra incrível do Kurosawa (e os vários faroestes também incríveis que foram baseados em seus filmes). Pulp Fiction, que me fez admirar, pela primeira vez, a violência como recurso estético e de narrativa - e me tornou uma fã do Tarantino. Olha, honestamente, eu vou parar por aqui. Tem filmes demais nessa lista já.

6)  Há algum outro projeto em vista relacionado ao cinema?

R.N.: Tenho, mas é um projeto de longo prazo e é algo relacionado à minha carreira, praticamente um sonho meu, portanto, eu prefiro manter isso só pra mim e pro Felipe (meu marido). Mas, só para deixar bem claro, eu não tenho nenhum interesse de dirigir nem de escrever um filme. Minhas metas são mais voltadas ao tipo de trabalho que eu já desenvolvo.

7) Para finalizar, se pudesse deixar uma lição deste tempo que se dedica à arte, qual seria?

R.N.: Ai gente, eu não acho que minha vida seja dedicada à arte! (risos). Minha vida é dedicada à minha família, à minha saúde mental e física, ao meu trabalho... E eu sou muito nova para querer deixar uma lição para alguém. Quando se fala de "vida dedicada à arte", sinto que envolve um papel de mártir e de sábio que eu não cumpro e nem pretendo assumir pra mim. Vou deixar isso para quem realmente dá o sangue e quase morre pelo cinema - como o Coppola. Acho que o trabalho e a dedicação à arte de pessoas como ele é que deve servir de inspiração para todos nós. Coppola - realmente - deu o coração dele para fazer um projeto com o qual sonhou, e por isso suas conquistas e sua obra são memoráveis. 

Não precisa ser de uma maneira real, não estou falando de enfartar por um projeto, como foi o caso dele. Estou falando de colocar amor e dedicação, diariamente, naquilo que fazemos. Acho que a lição que o Coppola me deixou e que eu posso repassar aqui para quem lê, é que se a gente está disposto a dar o nosso coração pelos nossos sonhos, nós podemos fazê-los acontecer. 

M.V.: Obrigado e sucesso para você. 


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