Entrevista com Mauricio Kus
Mauricio Kus é formado em RP, aluno ouvinte da Casper Libero em jornalismo. Nº 746 do Conrerp (Conselho Regional de Relações Públicas). Fez trabalhos jornalísticos para a Revista Reflexo; foi o primeiro jornalista paulista a entrevistar Fernando de Barros, cultivando uma amizade de 50 anos até a sua morte.
Encarou o teatro com carinho e passou a frequentar o TBC conhecendo todo o elenco e técnicos, inclusive os importados da Itália e França, através de Gustavo Nonnenberg, que era o RP do TBC, a primeira companhia estável de teatro no Brasil, trabalhando em moldes empresariais. Do TB C à Vera Cruz foi um pulo e acompanhou todas as filmagens daquele empreendimento de Ciccilo Mattarazzo, primeira iniciativa empresarial de tratar o cinema brasileiro como indústria.
Foi contratado por Oswaldo Massaini, da Cinedistri, para fazer divulgação e promoção de mais de 100 filmes para sua empresa, inclusive os famosos “O pagador de promessas” e “Independência ou morte”, que são os dois filmes mais premiados da história do cinema nacional.
Convidado por ser RP da Brannif Airways, ficou por dois anos cuidando do setor, inclusive recepcionando os vários astros e estrelas americanos que vinham ao Brasil convidados de Jorginho Guinle para promover o Carnaval carioca e os finados Festivais da Canção no Maracanãzinho.
Cobriu como repórter o I Festival Internacional de Cinema, realizado como uma das comemorações do IV Centenário da fundação de São Paulo. Entrevistou e manteve contatos pessoais com Edward G.Robinson, Walter Pidgeon, Jeanete McDonald, Joan Fontaine,Debbie Reynolds, Pier Angeli, Errol Flynn, Fred McMurray, Jeffrey Hunter. Participou de vários festivais de cinema, em Cannes, Gramado, Rio de Janeiro, Teresópolis, lançamento oficial na América do Sul do primeiro filme da franquia “O planeta dos macacos”, em Buenos Aires, no Hotel Alvear e no cine Rex. Participou com mais 500 jornalistas do mundo inteiro do Festival de Cinema da Warner em Freeport, nas Bahamas entrevistando Kim Novak (de quem virou amigo pessoal),William Holden, Danny Kaye, Yul Brynner, Luchino Visconti, Sam Peckinpah, Ernest Borgnine. Foi RP de todas as majors no Brasil, exceção da Paramount e recepcionou todos os artistas que as distribuidoras traziam para o Brasil.
Foi por 18 anos relações públicas do Hotel São Paulo Hilton, recepcionando e ciceroneando Jessica Lange, Sylvia Kristel, Merle Oberon, Kirk Douglas, Telly Savalas, Rachel Welch, Gene Kelly, William Wyller, Gene Hackman, Virna Lisi, Roman Polansky,Maria de Medeiros, Alan Arkin, Cliff Robertson,. Assistiu em Hollywood a entrega dos prêmios Oscar, em 1976, conhecendo dezenas de atores e atrizes apresentados pelo seu cicerone Ricardo Montalban designado pela Academia de Hollywood como seu representante.
Sempre trabalhou como freelance ou através de sua empresa Chaits Comunicações. Esteve uma semana na Itália, em Florença, lançando pela Braniff o uniforme “air strip”, cuidando do marketing de Emilio Pucci, o lançador do uniforme que revolucionou a aviação mundial com a nova fase da companhia aérea. Organizou mais de 150 cabines de imprensa em que convidava um mix de jornalistas, artistas, celebridades, formadores de opinião, etc. Autor do blog www.mauriciokus.hol.es., Conhece 41 países e é nossa vítima de hoje das 7 perguntas capitais.
Confira:
1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Você é um apaixonado por cinema? Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte.
M.K.: Eu praticamente nasci e fui criado, não no cinema, mas na cinematografia. Morei na Rua General Couto de Magalhães até os 14 anos de idade. Esta rua fica no que hoje é chamado a Cracolândia e seu entorno era rodeado pelas Ruas Vitória e Triunfo. Estas ruas abrigavam quase todas as companhias distribuidoras de filmes da cidade de São Paulo, justamente por estarem localizadas perto das estações de trem, Luz e Sorocabana.
Como não havia as grandes redes, como hoje, as marcações de filmes eram feitas pessoalmente pelos proprietários de cinemas do interior, que vinham a São Paulo de trem, para realizar suas contratações com as distribuidoras. Paradoxalmente, as ruas tinham os nomes do que exatamente os filmes necessitavam para fazer sucesso: vitória e triunfo. Em morava num sobradão, cujo andar de baixo abrigava a loja do meu pai, um negócio popular de roupas, para atender o consumidor mais modesto, que vinha de trem para São Paulo fazer compras.
No andar de cima, morávamos eu e minhas quatro irmãs, com meus pais. Como não tinha muito lazer, minha distração após as aulas era percorrer os quarteirões ao lado de casa e parar nas agencias distribuidores de filmes para apreciar seus lançamentos. Sem nunca ter ido a um cinema. Tinha 10 anos.
Todas as principais distribuidoras americanas estavam lá, as chamadas majors: Fox, United, Columbia, Warner ,Paramont, Universal e RKO (que pertencia ao milionário Howard Hughes). Mas afastado, fora do eixo dos grandes estúdios, na Rua dos Gusmões, a extinta Republic e algumas europeias, inclusive a Art Filmes.
Não inclui a Metro por que ficava longe de casa, na Av. São João, onde tinha prédio próprio que incluía escritórios, administração, armazém de latas de filmes e cartazes, e o próprio cinema (o primeiro em São Paulo a ter ar condicionado. Até hoje existe em sua forma original, mas não é mais cinema de rua. Foi arrendado a uma igreja evangélica. Mas até hoje sou vidrado nos musicais da Metro, com Gene Kelly, Fred Astaire, Gloria de Haven, June Allyson, Van Johnson, Kathryn Grayson, Howard Keel e Ava Gardner.
As distribuidoras mantinham grandes lojas para guardar as imensas latas de filmes e aproveitavam o espaço da frente para encher as paredes com cartazes dos filmes e pequenas vitrines com fotos dos próximos lançamentos, para serem estudados pelos eventuais clientes, que depois subiam aos escritórios para fazer as marcações.
Eu na minha inocência de pré-adolescente, sonhava com a ação resultante daquelas fotos e me familiarizei com os astros da época, e inventava enredos que se associavam aos nomes dos filmes. Eu era muito modesto. Nunca era mais do que capitão, nas minhas guerras imaginárias dos americanos derrotando os diabólicos nazistas.
Minha primeira ida ao cinema foi no cine Lux, da Cia. Serrador, cinema de rua não existiam cinemas de shopping naquela época, e por ironia, o cine Lux foi derrubado para dar lugar a um shopping de lojas de vestuário, na Rua José Paulino. Antes de ir ao primeiro cinema, aos 12 anos de idade, eu já sabia de cor os nomes, elenco e enredo de dezenas de filmes, que eu só iria assistir mais tarde, alguns na Cinemateca, outros até em VHS, hoje em DVD.
Tenho na memória, decorridos mais de meio século, todos os desenhos de Walt Disney e lembro como ele, à exemplo de Cecil B.de Mille, fazia uma pequena aparição, explicando o filme antes que os letreiros de apresentação aparecessem na tela. Branca de Neve e os 7 anões, Dumbo, Bambi, Pinocchio, Fantasia, são desenhos imortais que nem a tecnologia com seus longas (maravilhosos, é verdade) em computação gráfica, podem superar. A Disney costumava relançar os filmes de 7 em 7 anos. Diziam que era o prazo para formar uma nova geração. Agora, porém, cancelaram esta política, para dar lugar aos Nemos, Era do Gelo, Carros, Transformers, que não sei se aguentam uma reprise a cada 7 anos..
Filmes marcantes que fui assistir depois de vasculhar os cartazes e fotos em suas distribuidoras: Cidadão Kane, Casablanca, Em cada coração um pecado, Pacto de sangue, Soberba, A felicidade não se compra, Vinhas da ira, Consciências mortas, Ratos e homens, Do mundo nada se leva, Os melhores anos de nossas vidas, Rebecca, O grande ditador, Como era verde meu vale, A mulher faz o homem, Sargento York, e muitos, muitos outros. Filmes que contavam uma história humana, com lances de dramaticidade e humanismo, onde os atores eram preponderantes, o diretor deixava sua marca e não havia efeitos sonoros ou visuais feitos por computador, nem carros voando, explosões e violência ou sexo, na maioria das vezes, gratuitos e até algumas vezes, fora do contexto da trama.
Entre os muitos e muitos filmes, posso relacionar alguns mais recentes, como Legião de heróis, Monsieur Verdoux, Manhattan, os três episódios de O poderoso chefão, Guerra nas estrelas, A lista de Schindler, O Leopardo, Oito e meio, A doce vida, Picnic, As pontes do Rio Kwai e ainda muitos e muitos. O público era fiel a seus heróis e se não havia Homem Aranha I,II,III e assim por diante, eu era fã de um detetive chinês chamado Charlie Chan, que durou de 1931 a 1949. Teve três atores, Warner Oland, de 1931 a 1938; Sidney Toler, de 1938 a 1947 e Roland Winter, que estrelou os seis filmes finais da franquia. Nenhum era chinês na vida real.
Grandes nomes de minha iniciação no escurinho do cinema: Clark Gable, Humphrey Bogart, William Powel, Melvin Douglas, Henry Fonda, Gary Cooper,Douglas Fairbanks Jr, Jphn Wayne, Orson Welles, Cary Grant,, James Stewart,Nelson Eddy e Jeanete McDonald (me ensinaram a gostar de música no cinema), Ray Milland, Preston Foster, Victor McLaglen, Don Ameche, Paul Muni, Spencer Tracy, Mickey Rooney, Tyrone Power, e muitos, muitos mais, como por exemplo, Burt Lancaster, Robert De Niro, Paul Newman, Edward G.Robinson, Jack Nickelson, James Cagney, Clint Eastwood.
As mulheres eram maravilhosas naquele tempo. Apesar de que elegeria hors concours Katherine Hepburn e a divina Greta Garbo, Ingrid Bergman é a minha favorita de todos os tempos. E olhe que havia Ginger Rogers, Joan Crawford, Rita Hayworth, Bárbara Stanwick, Maureen O’Hara, Linda Darnell, Alice Faye Hedy Lamarr, Carole Lombard, Merle Oberon, Claudete Colbert, Judy Garland, Lana Turner, Ida Lupino, Gene Tierney, Carmem Miranda (que enchia as plateias brasileiras de orgulho ao ver a patrícia que venceu em Hollywood),, Marylin Monroe, Vivien Leigh, Luise Rainer, Olivia de Haviland, Paulete Godard, Kim Novak, Katherine Hepburn, Audrey Hepburn e rainha das telas hoje, Merryl Streep.
Ingrid Bergman nasceu em 1915 em Estockolmo e faleceu em Londres em 1982. Nasceu e morreu num dia 29 de agosto. Quando filmou Casablanca tinha 27 anos e estava linda como nunca, Quando tinha que parecer mais velha, ou sofrida, como em Por quem os sinos dobram, era o terror dos maquiadores dos estúdios. Foi uma mulher corajosa. Abandonou um casamento sólido com um medico sueco e filhos, para se aventurar com Roberto Rosselini em Stromboli. A moralista Hollywood virou as costas à sua atitude e ela se radicou na Europa por alguns anos. Voltou por cima, desfilando no tapete vermelho para buscar o Oscar por Anastásia, aplaudida de pé e ovacionada por mais de três minutos, por uma plateia de 2.500 representantes de todas as áreas da indústria do cinema americano. Conquistou mais dois Óscares, um por Luz de Gás e outro, como coadjuvante em O Assassinato no Expresso Oriente. Ingrid Bergman continua à espera de uma substituta. É um páreo difícil...
Ninguém mais do que ela poderia representar uma das mais poderosas mulheres do século 20, a Primeira Ministra de Israel, Golda Meir, pelo qual ganhou o Premio Emmy, um ano antes de sua morte. Meu ator preferido vivo é Robert De Niro. Marlon Brando é hors concours, vai levar muito tempo para aparecer outro ator de igual talento.
Como jornalista cheguei ao cinema, quando a Metro me convidou em 1959 a entrevistar Debbie Reynolds, Pier Angeli e Carleton Carpente, num coquetel que ofereceu no então Hotel Lord,vizinho ao seu cinema, na Av. São João. Daí veio o convite de Oswaldo Massaini para trabalhar como divulgador e assessor de imprensa de seus filmes. Minha estreia não poderia ser mais auspiciosa: O pagador de promessas, único vitorioso brasileiro com a Palma de Ouro, em Cannes até hoje.
Passei a frequentar os festivais de Cannes, presente em cinco deles. Na roda de festivais, se seguiram Gramado, Rio de Janeiro, Teresópolis e um festival promovido pela Warner Bros em Freeport, nas Bahamas, onde entrevistei Kim Novak, William Holden, Sam Peckinpah, Francis Ford Coppola, Ernest Borgnine, Oscar Della Renta , James Gavin, Yul Bryner, Danny Kaye, James Caaan, Ben Johnson, Clint Walker, e o lendário Busby Berkely, o gênio dos musicais de cinema e Broadway nos anos 30, então com 94 anos.
Depois de quase 200 filmes com Massaini, passei a trabalhar como divulgador de todas as majors em São Paulo, recepcionando os artistas que vinham promover seus filmes.
2) Coleciona filmes, CDs ou algo relacionado à 7ª arte ?
M.K.: Sou muito desprendido com certas coisas e não coleciono nada, não tenho muitas fotos guardadas de minhas andanças pela sétima arte. Agora, estou digitalizando as 3.000 fotos que tinha dispersas em várias caixas de sapato, colocando-as no meu site e nos meus posts de facebook. Meu maior prazer é assistir filmes em DVD e doar a cópia para algum amigo que se confessa cinéfilo, para que se amplie o gosto por bom cinema.
3) O Sr. desfrutou, ainda que por ofício, da companhia de ícones como Sean Connery, Wiiliam Wyler, Gene Hackman dentre muitos outros. Gostaria de compartilhar com nossos leitores um pouco destas histórias?
M.K.: Sean Connery falei com ele viárias vezes pelo telefone. Estávamos organizando em conjunto um torneio de golf mundial que se realizou no Golf Club Gavea, no Rio de Janeiro. Sean tinha reserva confirmada no voo da BC, mas – que decepção – horas ates do embarque o estúdio o chamou para refilmar uma cena de seu último 007. Entre manter uma equipe parada uma semana a um custo de milhões de libras ao produtor, Sean abriu mão de vir ao Rio. Mandou em seu lugar um ator inglês, Stanley Baker, que trabalhou com Gregory Peck em Os canhões de Navarone. Era muito famoso, mas morreu jovem, com 39 anos, abatido por um câncer.
O torneio de golf é realizado anualmente, cada vez em um país diferente e conta sempre com astros dos cinemas inglês ou americano. Rende milhões de dólares em patrocínio e bilheteria, que são enviados para a África, para distribuição e compara de cadeira de rodas para doação a idosos e mutilados carentes.
Com William Wyller e a esposa, jantamos no Roof do Hotel Hilton, em São Paulo, depois o levamos com a ela por um tour noturno por São Paulo. Ficaram encantados com a Liberdade, seus luminosos, lanternas e letreiros de restaurantes em japonês.
Já Gene Hackman, fui receber no aeroporto em Congonhas, vindo do Rio. Fez um pit stop em São Paulo só para assistir a um Grande Prêmio de Formula I em Interlagos. É aficionado de corridas. Jantamos no Restaurante Casserole em São Paulo e batemos um longo papo. É um cara sensacional.
4) Qual sua experiência dentro do universo cinematográfico que mais te marcou?
M.K.: Minha grande experiência dentro do universo cinematográfico aconteceu em 1976, quando fui à convite da Warner Bros assistir ao Oscar em Hollywood. Como convidado estrangeiro, tivemos eu, e minha esposa Sarinha direito a uma limousine com motorista, que nos recebeu no aeroporto de Los Angeles, nos levou a todos os lugares e no deixou no aeroporto em nossa partida. Nossa limousine tinha duas bandeirinhas na frente, uma americana outra brasileira. É assim que tratam os convidados do estrangeiro.
Ao chegarmos ao Chandler Pavillion, fomos recebidos pessoalmente por Ricardo Montalban, que era nosso host. Ele nos recebeu na entrada, fomos até o saguão onde nos entregou nossos tickets, e nos apresentou pessoalmente a vários atores que ali estavam: Jack Nicholson, Capucine, B urges Meredith, Charlton Heston, Jane Russell, Michael Douglas, Audrey Hepburn. De longe vimos Elizabeth Taylor, ainda uma beleza estonteante. Ricardo Montalban nos acompanhou até nossos assentos, desejou um bom espetáculo e se retirou. Na saída, nossa limousine nos aguardava.
5) Cinéfilos tem suas preferências. Existe uma lista dos "filmes da sua vida"? Um Top 10 ou algo assim...
M.K.: Não faço lista de 10, mais ou menos melhores, pois cinema não é concurso de beleza. O próprio Oscar nem sempre define o melhor filme. Cinema é uma arte muito subjetiva, de gosto muito pessoal.
6) Há algum outro projeto em vista relacionado ao cinema?
M.K.: No momento, estou semi aposentado fazendo alguns trabalhos de consultoria em divulgação e promoção de filmes, mas o que mais gosto é de ver ou rever filmes.
7) Para finalizar, se pudesse deixar uma lição da sua vida dedicada à arte, qual seria?
M.K.: O cinema é mais coletiva de todas as artes, pois para realizar um bom filme são mobilizados centenas de pessoas, atores, diretores, roteiristas fotógrafos, figurantes, maquiadores, cabeleireiros, figurinistas, etc., criando centenas de empregos à cada filme. O cinema registra o momento presente, seja, uma enchente, um incêndio, um casamento ou festas em família, propiciando a cada um deixar um legado vivo das atividades de sua vida, reuniões de família, vida profissional, os primeiros passos dos filhos e netos.
M.V.: Grande abraço. Foi um prazer escutar um pouco das suas histórias...
M.K.: Obrigado. Abraço.