Entrevista com Elie Politi

O cinema conecta pessoas. O amor e respeito por esta arte incrível me proporcionou conhecer inúmeras pessoas igualmente incríveis. Elie Politi é uma destas pessoas que "tropecei" na vida, enquanto procurava um item raro para minha coleção. Apesar de ter sido apenas um negócio de compra e venda, uma relação de amizade surgiu, mesmo que à distância.

Conheça agora quem é o cinéfilo e colecionador Elie Politi através das 7 perguntas capitais.


1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Você é um apaixonado por cinema? Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte.

E.P.: Minha paixão pelo cinema começa na infância, e é uma longa história: Nasci em Alexandria, Egito, uma cidade muito cosmopolita até a década de 60 e que acompanhava a vida artística da Europa. Viemos para o Brasil em 1960. Minha educação foi feita em Alexandria no  liceu Frances e éramos, desde os quatro anos de idade, levados pela escola a ver filmes, tipo Chaplin, seriados e faroestes. 

Por outro lado, meus tios eram donos de dois cinemas onde eu tinha entrada livre, um filme pelo menos a cada semana. Não existia censura prévia e os pais podiam levar crianças até de colo. Havia uns doze cinemas na cidade, cada um lançando filmes em exclusividade de cada companhia distribuidora. Assim havia o cinema da Metro, o da Fox, o da Columbia, e assim por diante. Os de meus tios traziam principalmente filmes europeus, United Artists e  independentes. 

Uma curiosidade é que o presente de aniversário de meus tios às vezes, era fechar uma sessão especial onde eu convidava a classe inteira do colégio. Assim, fazíamos a festa lá e víamos um filme. Assim foi com meu aniversário de dez anos, com a  Volta ao mundo em 80 dias (Around the World in 80 days-1956)   

Meus pais iam muito ao cinema e me levaram a ver, por exemplo, os musicais clássicos da Metro e as grandes reprises, como Adeus Mr Chips (Goodbye Mr Chips-1939), Primavera (Maytime-1937), Rainha Cristina( Queen Christina-1933) , Rosa da Esperança (Mrs Miniver-1942) que já eram reprises das décadas de 30 e 40.  Lembre -se que não existia vídeo nem DVD. A única maneira de ver filmes era no cinema, nas telas gigantescas da época, em lançamentos ou reprises, que eram frequentes no mundo inteiro.

Os atores prediletos de meus pais eram Greta Garbo, Greer Garson, Ronald Colman, Jeanette McDonald,  John  Barrymore. Viam tudo deles. 

Meus coleguinhas de escola ( estou me referindo às sete primeiras séries do primário) também adoravam cinema, e íamos em grupos ver faroestes e filmes de aventura. Como em Alexandria não existia censura prévia, lembro-me de ter assistido a  dois dos primeiros filmes de Brigitte Bardot , que quando viemos ao Brasil, fiquei espantado porque eram proibidos a menores. Minha turma no Brasil, garotos de 13 a 15 anos, não acreditavam que eu já os tinha visto aos dez anos de idade. São eles: Desfolhando a Margarida ( En Effeuillant la Marguerite-1956) e E Deus Criou a Mulher (Et Dieu Crea la Femme- 1956)  

Nossos ídolos eram Tony Curtis, Audie Murphy, Doris Day, Jerry Lewis, James Stewart, Elizabeth Taylor, e mais para a frente também , Elvis Presley de quem acompanhamos a carreira e os primeiros filmes como Ama-Me com Ternura (Love me Tender-1956).

Assim, vi a maioria dos filmes da década de 50, não somente americanos como europeus, que chegavam em grande número aos cinemas. Lembro de ter visto, por exemplo, dramas como Chorarei amanhã (I´ll Cry Tomorrow-1955) com Susan Hayward , Trapézio (Trapeze-1956), Houdini -1953 ambos com Tony Curtis,  Cinco Dedos (Five Fingers-1952) com James Mason onde me impressionou o uso de cameras de microfilmes em filme de espionagem,   faroestes como Homem sem Rumo(Man Without a Star-1955) com Kirk Douglas, e muitos outros.

De memória, ainda posso citar os filmes italianos com Totó, Belas mas Pobres (Belle ma Poveri-1957)  com Marisa Allasio, A Bela Moleira (La Bella Mugnaia-1955) com Sophia Loren, A Mulher mais Bela do Mundo (La Donna Piu Bella del Mondo-1955) com Gina Lollobrigida, Também lembro de ter gostado muito da biografia romanceada musical de Jane Froman Meu Coração Canta (My Heart Sings-1952 ) com Susan Hayward.

Quando vimos "A Ponte do Rio Kwai", construímos um modelo-maquete da famosa ponte , com palitos de fósforo. Após ficar pronta, incendiamos a maquete inteira! Loucura de adolescente!


Os primeiros discos que pedi aos meus pais comprarem eram as trilhas sonoras de Meu Coração Canta, o disco com o tema musical de A Flor do Pantano (Tammy and the Bachelor-1957)  e o disco onde Doris Day cantava  o tema de O Homem que Sabia Demais (The Man Who Knew too much-1956) a canção famosa até hoje Que Será Será. 

Todos eram, vistos e debatidos com meus amiguinhos, irmãos  e primos, tudo isso antes dos doze anos de idade.  Aprendi a gostar dos musicais, que era o gênero preferido de meus pais. Os famosos grandes musicais da Metro, sejam lançamentos (década de 50) sejam reprises com os mais famosos musicais da década de 40.  Porem lembro que quatro  dos filmes que mais me marcaram e impressionaram na época não foram musicais, são eles:   

Um Corpo que Cai (Vertigo-1958) de Hitchcock, em que tomei contato com o suspense,  um melodrama francês com Jean Gabin chamado A Noite é meu Reino (La Nuit est mon Royaume-1951) aonde acompanhei sofridamente, aos cinco anos de idade(!) ,  o drama de um homem que perdia a visão, o primeiro filme em Cinemascope O Manto Sagrado (The Robe-1953) em que tivemos que fazer fila por uma hora para ver a maravilha do som estereofônico e imagem enorme, e um policial inglês chamado Sombra Maligna (Cast a Crooked Shadow-1958) onde tomei contato com a maldade e a corrupção das pessoas. 

Ressalto que minha primeira câmera era uma 8mm, Kodak Brownie, que me foi presenteada pelo meu avo aos doze anos. Tenho imagens raras da praia em Alexandria, do navio com o qual viemos ao Brasil, da família etc. Ao chegar ao Brasil, com portanto 13 anos, o primeiro filme que vi foi Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments-1956) que havia sido proibido no Egito pelo novo governo do qual fugimos, por motivos religiosos. Lembro das filas no cine Ipiranga.

Dali para frente, sempre pelo menos dois filmes por semana, até me formar  primeiro em Engenharia e depois pela Escola de Comunicações e Artes da USP., na década de 70. Fiz na época e na faculdade um curta documentário em 16 mm chamado “Visão Paulista”, um curta de ficção cientifica também em 16mm chamado “O Fim” , e depois fora dela um curta documentário em 35 mm chamado “Menotti” sobre o poeta Menotti Del Picchia. 

Fiz muito, mas muito mesmo, super-8 com imagens de viagens, (NY, Amsterdam, Paris, Roma, etc.) e filmes com amigos e familiares. Eu filmava tudo, do mesmo jeito que hoje se usam aparelhos digitais para registrar a vida. Também fiz por conta própria um curta super-8 documentando a vida do estudante de Geologia da USP  Alexandre Vanucchi Leme, com depoimentos e filmagens do translado do corpo, após dez anos de seu assassinato. Para ter ideia da quantidade de imagens, há uns três anos transferi para DVD somente parte delas, editando e colocando som,  e deu uma duração de 10 horas! 

Também montei na década de 80, um curso de História do Cinema, à base de slides, quando se iniciou o período de VHS. Os exemplos eram dados por análise das imagens estáticas e  trechos de filmes. Este curso foi dado várias vezes em colégios, cursinho, e outras instituições.

Não havia ainda a proliferação de cursos que há hoje, e guardei os slides até hoje, são quase 500   e não sei o que fazer com eles.

2) Coleciona filmes, CDs ou algo relacionado à 7ª arte ? Quem curte cinema costuma ter suas relíquias em casa...

E.P.: Coleciono DVDs assim como eu colecionava VHS, já não tenho mais nenhum VHS, foram todos substituídos por DVDs. Até ontem eu tinha 2530 filmes, 90% sendo DVDs originais. Em viagens encho a mala de DVD s de filmes que não saíram ou que sairiam mais tarde no Brasil. Eu trouxe muitos da França, da Espanha, dos Estados Unidos, etc. Loucura é que não consigo parar de colecionar, sei que há um limite de espaço e de tempo para assistir, mas é um hábito. Acabo de comprar pela 2001video mais uns quatro ontem a noite.  

Gosto de ter filmografias completas, assim tento juntar o máximo possível do mesmo realizador. Já tenho a filmografia completa de Hitchcock, Allen  e  Chaplin por exemplo, incompleta de Truffaut, Antonioni, Bergman, e acabo de completar a filmografia (até agora) dos diretores Brian de Palma e Terrence Malick , que considero dois dos maiores diretores americanos vivos, ao lado de Scorcese e Woody Allen.

Tenho quase 70 LPs de trilhas sonoras, mas não tenho mais toca discos para vinil. Não sei o que fazer, vou colocar à venda, ou doar se me fizerem cópias boas. De CDs, perdi a conta da quantidade de trilhas e coletâneas. Há mais de mil CDs em casa, de todos os gêneros, espalhados em todo lugar. 

Também gosto de trilhas sonoras dos musicais da Broadway,  os que assisti no teatro lá ou os que não vi. Duas de minhas trilhas prediletas são a de Amor Sublime Amor (West Side Story- 1961) e Os Guarda-chuvas do Amor (Les Parapluies de Cherbourg-1964). Dos mais recentes gosto da trilha de Os Miseráveis-(Les Miserables-2012).

3) Dos objetos que possui, há algum que precisou fazer alguma loucura para possuir?

E.P.: Um item  que precisei fazer loucura para adquirir foi uma caixa comemorativa luxuosa do cinquentenário de Cidadão Kane, edição limitada e numerada,  contendo  dois livros,  roteiro original, várias fotos , folhetos de kit press, e mais 2 VHS (que depois substituí pelos respectivos DVDs) . Esta caixa era tão grande e pesada que para caber na mala tive que abandonar peças de roupas no aeroporto de Nova Iorque.  

Outro em que tive que pagar excesso de bagagem para transportar foi um canudo enorme com a reprodução do pôster original de Metropolis, vindo da Alemanha.

Tenho um monte de livros sobre cinema, roteiros, livros de arte, etc., que preenchem um dos armários embutidos de casa.

4) Qual sua experiência dentro deste universo cinematográfico que mais te marcou? 

E.P.: Uma das coisas de que faço questão de participar é a Mostra Internacional de Cinema, da qual participo desde a primeira edição. Em 2016 foi realizada a 40ª edição. Acabo de doar todos os catálogos da mostra por pura falta de espaço, assim como dos catálogos do Festival de Rio , de Toronto e de outros a que assisti. 

5) Cinéfilos tem suas preferências. Existe uma lista dos "filmes da sua vida"? Um Top 10 ou algo assim...

E.P.: É muito difícil montar uma lista de filmes preferidos, porque há filmes bons dos quais não gosto e também há filmes ruins  ou médios dos quais gosto mas que me marcaram mais. De memória, sem muita pesquisa, posso citar: 2001 Uma Odisseia no Espaço, Amor Sublime Amor, Os Guarda Chuvas do Amor, Apocalypse Now, O Poderoso Chefão, Acossado, Hiroshima meu Amor, Os Sete Samurais, Deus e o Diabo na Terra do Sol, O Grande Ditador, O Fantasma do Paraíso, Blow Out, A Malvada, Crepúsculo dos Deuses, O Ano Passado em Marienbad, Amarcord, Mishima, Quanto Mais Quente Melhor, O Vingador Misterioso, Testemunha de Acusação, .....Quase todos viraram clássicos.

Mas agora vou te fornecer uma lista de filmes lançados em cinema mais recentes que me impressionaram muito, mesmo se não são clássicos (ainda):

Vivendo no Abandono (Living in Oblivion), Efeito Borboleta, Reviravolta (U-Turn) Na Contramão (Gridlock´d), Contracorrente (Undertow), Billy Elliot, Alguém para Dividir os Sonhos, De Volta para o Futuro, O Reflexo do Mal (The Reflexive Skin- que não acho lugar nenhum para comprar), só para dar alguns exemplos.

No mês passado assisti a um filme no Festival de Cinema Australiano chamado O Predestinado (Predestination) com Ethan Hawke, sobre viagens do tempo que me deixou literalmente com um nó na cabeça. Um conto de ficção científica baseado no autor Robert Heinlein, um mestre, e que tive que ver duas vezes em seguida para compreender. Soube que está no Netflix. Recomendo.

6)  Há algum projeto em vista relacionado ao cinema? 

E.P.: Alguns dos projetos é colocar ordem na coleção, terminar alguns artigos, tentar remasterizar meus filmes super8, fazendo edições digitais boas, achar uma produtora para realizar mais um ou dois curtas, vender os LPs e livros,  continuar a participar do grupo Confraria Lumiere, grupo de amigos da Mostra de Cinema, que se fala por email.

7) Para finalizar, se pudesse deixar uma lição desta vida dedicada ao cinema, qual seria? 

E.P.: Quem sou eu para deixar "uma lição de vida relacionada ao cinema" ? Só posso recomendar:

Assista  muitos filmes, mas  pense e escreva a respeito, treine elaborar relações entre o filme visto e outros, discuta como este filme te tocou, emocionou ou motivou.  Por outro lado, não se esqueça de viver também fora das salas de cinema. A sua vida é mais importante. Eu já perdi sessão por preferir conversar com amigos e, na frente de um chopp ou um café, se ganha mais. A vida é lá fora.

M.V.: Obrigado amigo. Sucesso. 


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