Entrevista com Filippo Pitanga
Filippo Pitanga é advogado e crítico de cinema. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro - ACCRJ. Professor na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro - AIC. Editor-chefe do Almanaque Virtual. Colaborador da Justificando (Carta Capital), do Cinema Para Sempre, Tabula Rasa e Cine Eterno. Membro do podcast Cinema em Série. Curador do Cineclube Ação e Reflexão produzido pela Cavídeo e Grupo Estação Net, e consultor do Cineclube Delas.
E hoje é nossa vítima das 7 perguntas capitais. Confira como foi:
1) Quando nasceu sua paixão pelo cinema? Existiu aquele momento que olhou para trás e pensou: "- Puxa, eu sou um cinéfilo!"
F.P.: Para falar a verdade, fui criado com cinema. Está na constituição de minha educação familiar. Minha mãe trabalhava para o Itamaraty em vários postos pelo mundo, e uma das formas de ela me ancorar e conhecer a cultura dos outros era através dos filmes. E por isso tinha muito acesso a filmes estrangeiros desde cedo na minha constituição. Por exemplo, via os filmes de Akira Kurosawa e realmente acreditava que eu era um samurai.
Não apenas sobre a cultura estrangeira, mas sobre a psicologia humana. Jamais houve uma palavra do tipo censura entre nós. Eu poderia assistir qualquer filme, contando que dialogasse sobre isso.
F.P.: Melhor responder de outra forma. Sim, claro, coleciono. Livros sobre o tema então são muito necessários, pois dou aula de História do Cinema e Teoria Crítica. Preciso ter um bom acervo e estou sempre absorvendo coisas novas e ampliando pesquisas para artigos mais acadêmicos. Quanto a outras coisas ligadas a filmes, sou aficionado em memorabilia de cinema, não só estrangeira, mas como da nossa sétima arte brasileira que possui muito pouco incentivo à preservação e propagação da memória histórica. Precisamos de mais memorabilia de cinema brasileiro para fomentar uma cultura que alcance gerações.
M.V.: Verdade. Não há action figures de figuras populares como "Os trapalhões", "Mazzaropi" ou "Zé do Caixão (Imagem abaixo)". Não de fácil acesso, pelo menos...
F.P.: Quanto a colecionar filmes...Bem, digamos que hoje em dia mais do que nunca acredito na democratização dos filmes, perante geração de juventude que vê filmes em celular (mas ao menos assiste) ou de salas de cinema exorbitantes que elitizaram certos acessos comerciais. Creio na democratização seja por streaming ou por torrent. Ainda mais com catálogos de altíssimo nível como making off.
3) Você é crítico de cinema, editor de site, redator de revista, palestrante, escritor, jurado de mostras... Ou seja, além de amar cinema, você está completamente inserido neste meio. Quais são suas motivações para continuar este magnífico e diversificado trabalho?
F.P.: Acredito que cinema signifique uma forma de refletir sobre o momento em que vivemos e nossa sociedade. Para além de significar um retrato de época, pode ganhar novas significações a cada geração, se renovar. Transcender. E inclusive retroalimentar a mesma sociedade da qual se origina com a criação de novos imaginários que representem de forma mais justa a mesma sociedade para a qual se destina. Ou seja, confio piamente no poder transformador do cinema, tanto a nível de catarse pessoal como coletiva. E é nisto que me alimento tanto para inspirar espectadores quanto alunos de cinema a ampliarem e purificarem as pluralidades de olhar -- ao menos no que eu possa auxiliar.
4) Existe alguma experiência, relacionada ao cinema, que se tornou inesquecível para você?
F.P.: Várias. Senão poderíamos desistir no meio do caminho. Até porque a luta por novas representações e representatividades também atrai resistências, afinal, ainda estamos falando de um dos meios mais elitistas que não gosta de abrir mão de privilégios do passado em prol do futuro.
Já tive a experiência de dar aula para filho de ex-professores meus favoritos e receber o feedback de que fui o melhor professor que eles já tiveram. Assim como poder falar com gerações completamente diferentes que trazem histórias de como foram tocadas pelo cinema e isso transformou suas vidas. Há de exemplo alunos de instituições públicas em greve ou em meio a ocupações estudantis com uma incrível consciência crítica politizada de que o uso do cinema pode ser crucial para a resistência e reivindicação de direitos.
Ou poder entregar no meu Cineclube com Samantha Brasil e Cavi Borges o prêmio de 60 anos de carreira para a grande cineasta e atriz Helena Ignez ou o de 50 anos para o ator consagrado Tonico Pereira.
5) Agora sobre cinema em geral. Quais filmes marcaram sua vida?
F.P.: Muitos. É até injusto cogitar apenas alguns poucos. Mas eu diria "Oito e Meio" de Fellini, "Cidade dos Sonhos" de David Lynch, "As Pequenas Margaridas" de Vera Chytilová e "Tramas do Entardecer" de Maya Deren. São alguns dos gênios que mais estimo na minha vida.
Vale mencionar inúmeras outras catarses, claro, como descobrir que o cinema não possui apenas pais, mas também mães, como Alice Guy-Blaché, que realizou obras-primas como a adaptação do conto clássico francês "A Fada dos Repolhos" ou a saga de "A Paixão de Cristo" -- filmados contemporaneamente a outros grandes nomes que ficaram para a história como os irmãos Lumière e George Méliès, enquanto ela permaneceu “invisível” até Martin Scorsese resgatar seu nome na virada do milênio e adicioná-la ao panteão histórico de fundadores do cinema como o conhecemos.
6) Fale um pouco sobre seus próximos projetos.
F.P.: Inúmeros, sempre. Além de continuar dando aulas, claro, e realizando eventos com os nossos Cineclubes e com a Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, da qual faço parte, dentre os quais acabamos de ser a primeira instituição brasileira a celebrar o centenário do cineasta Ingmar Bergman no MAM RJ, iremos fazer outras Mostras em breve, como o Centenário do grande crítico André Bazin. Além de ter sido convidado junto com minha companheira para fazermos a curadoria de um Festival de Cinema, mas sobre o qual ainda não podemos falar muito.
7) Para finalizar, se pudesse deixar uma lição do tempo que se dedicou ao cinema, qual seria?
F.P.: Acho que seria o inverso, o quanto o cinema e as relações humanas que ele nos possibilita e nos toca que continua ensinando para a gente. Somos apenas receptáculos por onde fazemos uma ponte para alcançar as pessoas e agregar olhares críticos que, em sua humilde esfera de influência e reflexão, tentem enriquecer a sociedade de algum modo.
M.V.: Obrigado amigo. Sucesso para você.