Entrevista com Carlos Primati
Carlos Primati é Jornalista, crítico, historiador e pesquisador dedicado a tudo que se refere ao cinema de horror mundial. Publicou artigos em livros sobre a obra do cineasta José Mojica Marins, sobre o Horror no Cinema Brasileiro e sobre o cineasta Carlos Hugo Christensen, firmando parceria com a Heco Produções em mostras dedicadas à produção nacional no gênero.
Colaborou no livro Maldito, de André Barcinski e Ivan Finotti, e co-produziu, juntamente de Paulo Duarte, a Coleção Zé do Caixão em DVD, vencedor do 1º Prêmio DVD Brasil como melhor coleção do ano. Publicou textos nas edições especiais O Livro do Horror (Herói), O Super Livro dos Filmes de Ficção Científica (Superinteressante) e A História do Rock (Bizz). Publicou artigos sobre o cinema de horror brasileiro e sul-americano na revista Filme Cultura e nos livros Horrofílmico e Cinema de Bordas 3.
Escreveu o prefácio dos livros Cinemas de Horror e Cemitério Perdido dos Filme B, da editora Estronho. Criou e editou a revista Cine Monstro e é colaborador de publicações como O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Jornal da Tarde, Bizz, Set, General, Herói, Conecta, Dark Side, DVD Total, Showtime, Mundo Estranho, Flashback, Monet etc. Editou o livro Voivode: Estudos Sobre os Vampiros e escreveu o volume sobre Séries de TV da Coleção 100 Respostas (Mundo Estranho). Ministra cursos de cinema sobre Alfred Hitchcock, Expressionismo Alemão, Cinema de Horror, Ficção Científica da Década de 1950, Horror Independente / Cinema Grindhouse, Zé do Caixão, Horror o Cinema Brasileiro...
...Ficção Científica e Fantasia no Cinema Brasileiro, Apocalipse Zumbi, Horror Blaxploitation etc., participando de festivais e mostras por todo o Brasil, como Hitchcock (CCBB-SP e Belo Horizonte), Fantaspoa (Porto Alegre), Riofan (Rio de Janeiro), Cinefantasy (São Paulo), Espantomania (São Paulo), Trash (Goiânia), Grotesc-O-Vision e Madrugada Sangrenta (Curitiba), Medo e Delírio no Cinema Brasileiro Contemporâneo (Belo Horizonte), Experiência Grindhouse (Natal), Toca o Terror (Recife), Filmes Curtíssimos (Brasília), O Universo Fantástico de Rodrigo Aragão (Vitória) e eventos temáticos no SESC Vila Mariana, SESC Bauru, Cinemateca Brasileira e MIS (Museu da Imagem e do Som), em São Paulo, e em cidades como Osasco (SP), Caçador (SC) e Fortaleza (CE), entre outras.
E hoje é nossa vítima das 7 perguntas capitais:
1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS que faziam parte do nosso cotidiano. Você é um apaixonado por cinema? Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte.
C.P.: Tenho interesse por cinema desde que lembro estar diante da televisão, assistindo às comédias de Jerry Lewis, os filmes de fantasia de Ray Harryhausen, os primeiros filmes de terror com Vincent Price. Mas o que me tornou cinéfilo realmente foi a chegada do VHS, por volta de 1987, quando eu tinha uns 17 anos, e pela primeira vez tive a maravilhosa sensação de poder escolher o que queria ver, a qualquer momento. Isso me possibilitou não apenas a acompanhar tudo que estava em evidência na época, mas também descobrir cineastas menos óbvios, como Bergman, Herzog, Wajda, Stelling etc., mas também mergulhar fundo no cinema de gênero, especialmente horror, em todas suas ramificações e tendências.
2) Ser cinéfilo muitas vezes está atrelado ao colecionismo. Você coleciona filmes, cds ou algo relacionado à 7ª arte?
C.P.: Sim, coleciono filmes em todos os formatos (tenho até algumas coisas em Super-8), algumas trilhas sonoras e memorabilias de cinema, principalmente cartazes e alguns bonecos e coisas desse tipo. Minhas maiores coleções são dos meus principais objetos de estudo, que são Alfred Hitchcock e José Mojica Marins, o Zé do Caixão, dos quais tenho até roteiros nunca filmados e alguns cartazes originais.
3) A revista Cine Monstro era a principal publicação sobre o cinema de horror do país. Como foi a sua criação?
C.P.: Idealizei a revista Cine Monstro quando estava trabalhando para a editora Works, que lançava a revista Dark Side DVD, e sugeri que tivéssemos uma revista com conteúdo, e não apenas filme encartado. Foi realmente difícil fazer a revista, mas também prazeroso; o maior desafio era criar uma publicação tendo praticamente nada como base ou parâmetro de comparação no Brasil.
A inspiração foi a revista americana Fangoria: eu queria algo que fosse em parte uma revista de mercado, que promovesse o que estivesse em evidência no momento, e em parte uma revista crítica, sem compromisso, e que propusesse um resgate de tudo que fosse importante no gênero, por mais obscuro que pudesse parecer. Acho que foi uma publicação importante, que durou o quanto foi possível, mas acho difícil imaginar algo parecido com isso na época atual, em que as informações são imediatas e todo mundo parece entender tanto de tudo...
4) Qual a experiência, dentro do universo cinematográfico, foi a mais marcante da sua vida?
C.P.: Certamente conhecer e me tornar amigo do nosso grande gênio, o cineasta José Mojica Marins, de quem tive o privilégio de poder revirar toda a obra e contribuir para seu resgate, disponibilizando os filmes, na medida do possível, mas acima de tudo as informações que poderiam se perder com o tempo. Acho que não existe no Brasil um artista que tenha feito tanta coisa quanto ele e que grande parte do que realizou esteja acessível.
Esse resgate e preservação são necessários, mas nem todos os nossos artistas - principalmente do cinema - têm esse privilégio. É um prazer e uma sensação de dever cumprido ter participado isso. É a minha maneira de pagar toda a inspiração e prazer cinéfilo que a obra do Zé do Caixão exerceu na minha vida, até mesmo na construção do meu caráter. Outro momento mágico de realização pessoal foi encontrar Roger Corman, certamente o meu grande herói no cinema, e alguém com quem pude estar frente a frente e trocar algumas palavras num encontro privado, além de ter a duvidosa honra de substituí-lo uma noite quando ele não pôde estar presente em seu evento, em Curitiba... Eu saí ganhando com o privilégio, mas certamente não o público!
5) Cinéfilo costuma ter suas preferências. Você tem uma lista das produções que mais gosta?
C.P.: Não sei se conseguiria fazer uma lista justa neste momento, mas certamente o maior de todos, o filme que para mim sintetiza todo o significado do cinema, seu poder de encantamento, sua capacidade de criar mundos próprios, de fabricar ídolos (no bom e mau sentido), de ser popular e divertido e, ao mesmo tempo, profundo e reflexivo; realmente um filme completo: é "Cantando na Chuva". E eu nem sequer gosto de musicais... Outros filmes são marcantes na minha vida como "Um Corpo Que Cai", "Três Homens em Conflito", "Em Busca do Ouro", "Fausto", "Os Nibelungos", "M", "O Sétimo Selo", "O Pecado Mora ao Lado", e muita coisa do cinema de horror, como "O Mensageiro do Diabo", "Os Inocentes", "O Bebê do Rosemary", "Ritual dos Sádicos", "Suspiria", "O Homem de Palha", "Santa Sangre", "Alucarda", "O Massacre da Serra Elétrica", "O Silêncio dos Inocentes"... Realmente, muita coisa.
6) Fale um pouco dos seus próximos projetos. Tanto os que estão acontecendo quanto os previstos para começar.
C.P.: O meu trabalho está sempre em torno do cinema de gênero e os cursos, artigos e mostras que realizo ou colaboro. Tenho cursos sobre Expressionismo Alemão, Ficção Científica da Década de 1950 e muita coisa sobre o cinema de horror e suas vertentes, além de Horror, Ficção Científica e Fantasia no cinema brasileiro. No ano passado ministrei um curso em dez aulas sobre Hitchcock, a lado do crítico Marcelo Lyra, no MIS-SP. Este ano pretendo levar para lá um curso mais completo sobre a História do Cinema de Horror. E sempre tenho livros sendo planejados ou, de alguma maneira, sendo trabalhados.
7) E se pudesse deixar uma lição deste tempo que se dedicou ao cinema, qual seria?
C.P.: Não sei se seria uma lição de vida; apenas posso dizer que, juntamente da música, em especial o rock, meu caráter foi formado essencialmente pelos filmes que vi, em especial dos meus maiores ídolos: Hitchcock e Mojica. Se posso dar um conselho, eu diria que você sabe que o cinema tem uma grande importância na sua vida quando se dá conta de que você tem mais identificação com o que o filme transmite do que necessariamente uma admiração pela história contada ou pela técnica apurada. Eu demorei décadas para perceber isso; que não sou "fã" ou "admirador" do Hitchcock, e sim que as obsessões dele me fascinam ao nível da identificação: eu não "sofro" dos mesmos males, digamos assim, mas interesso-me pelos mesmos temas (sexo, morte, culpa, loucura...); o mesmo para o Mojica, sendo que nele vi a inspiração de sempre fazer uma arte viva e corajosa, nunca acomodar, nunca entregar ao público simplesmente o que ele quer. Ser inquieto, nunca estar satisfeito e jamais se permitir a irrelevância.
M.V.: Obrigado amigo. Sucesso.